No
dia 9 de Julho de 1998, a notária Maria do Carmo Santos deslocou-se ao
escritório de Fernando Fantasia, na empresa industrial Sapec, Rua Vítor Cordon,
em Lisboa, para proceder a uma escritura especial.
O
casal Cavaco Silva (cerimoniosamente identificados com os títulos académicos de
"Prof. Dr." e "Dra.") entregava a sua casa de férias em
Montechoro, Albufeira, e recebia em troca da Constralmada - Sociedade de
Construções Lda. uma nova moradia no mesmo concelho.
Ambas
foram avaliadas pelas partes no mesmo valor: 135 mil euros. Este tipo de
permutas, entre imóveis do mesmo valor, está isento do pagamento de sisa, o
imposto que antecedeu o IMI, e vigorava à época.
Mas
a escritura refere, na página 3, que Cavaco Silva recebe um "lote de
terreno para construção", omitindo que a vivenda Gaivota Azul, no lote 18
da Urbanização da Coelha, já se encontrava em construção há cerca de nove
meses.
Segundo
o "livro de obras" que faz parte do registo da Câmara Municipal de
Albufeira, as obras iniciaram-se em 10 de Outubro do ano anterior à escritura,
em 1997.
Tal
como confirma Fernando Fantasia, presente na escritura, e dono da Opi 92, que
detinha 33% do capital da Constralmada, que afirmou, na quinta-feira, 20, à
VISÃO que o negócio escriturado incluía a vivenda.
"A
casa estava incluída, com certeza. Não há duas escrituras. . "Fantasia diz
que a escritura devia referir "prédio", mas não é isso que ficou no
documento que pode ser consultado no cartório notarial de António José Alves
Soares, em Lisboa, e que o site da revista Sábado divulgou na quarta-feira à
tarde.
Ou
seja, não houve lugar a qualquer pagamento suplementar, por parte de Cavaco
Silva à Constralmada.
A
vivenda Mariani, mais pequena, e que na altura tinha mais de 20 anos, foi
avaliada pelo mesmo preço da Gaivota Azul, com uma área superior (mais cerca de
500 metros quadrados), nova, e localizada em frente ao mar.
Fernando
Fantasia refere que Montechoro "é a zona cara" de Albufeira e que a
Coelha era, na altura, "uma zona deserta", para justificar a
avaliação feita.
A
Constralmada fechou portas em 2004.
Fernando
Fantasia não sabe o que aconteceu à contabilidade da empresa.
O
empresário, amigo de infância e membro da Comissão de Honra da recandidatura
presidencial de Cavaco Silva, não se recorda se houve "acerto de
contas" entre o proprietário e a construtora.
"Quem
é que se lembra disso agora? A única pessoa que podia lembrar-se era o senhor
Manuel Afonso [gerente da Constralmada], que já morreu, coitado..."
No
momento da escritura, Manuel Afonso não estava presente. A representar a
sociedade estavam Martinho Ribeiro da Silva e Manuel Martins Parra. Este
último, já não pertencia à Constralmada desde 1996, data em que renunciou ao
cargo de gerente. Parra era, de facto, administrador da Opi 92.
Outro
interveniente deste processo é o arquitecto Olavo Dias, contratado para
projectar a casa de Cavaco Silva nove meses antes de este ser proprietário do
lote 18. Olavo Dias é familiar do Presidente da República, por afinidade, e deu
andamento ao projecto cujo alvará de construção foi aprovado no dia 22 de
Setembro de 1997.
A
"habitação com piscina" que ocupa "620,70 m2" num terreno
de mais de 1800, é composta por três pisos, e acabou de ser construída, segundo
os registos da Câmara a 6 de Agosto de 1999.
A
única intervenção de Cavaco Silva nas obras deu-se poucos dias antes da
conclusão, a 21 de Julho de 1999, quando requereu a prorrogação do prazo das
obras (cujo prazo caducara em 25 de Junho).
A
família Cavaco Silva ocupa, então, a moradia, em Agosto. A licença de
utilização seria passada quatro meses depois, a 3 de Dezembro, pelo vereador
(actual edil de Albufeira, do PSD) Desidério Silva, desrespeitando, segundo
revela hoje a edição do Público, um embargo camarário à obra, decretado em
Dezembro de 1997, e nunca levantado.
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