Era miúdo e havia um outro puto que me infernizava a vida.
Apesar de eu próprio não ser um “trinca-espinhas”, o outro gajo era um matulão e um pouco mais velho que eu.
Ele não me suportava porque, entre outras coisas, tinha mais jeito para jogar à bola do que ele e, na escola primária, em ditados, cópias, história e aritmética, eu era um às … e ele um nabo.
Portanto, de volta-e-meia usava do cabedal e chegava-me a roupa-ao-pêlo.
Calhou contar a minha infeliz existência a meu avô Serafim (de quem dizem ser eu muito parecido fisicamente e em feitio brincalhão) que logo me prescreveu um remédio muito popular para afastar o medo:
Comer uma crista de galo atrás duma porta sem que ninguém visse.
Achei a ideia estupenda e logo fiz saber a minha avó que, quando se matasse o galo pedrês a crista deveria ser reservada para mim “por causa duma coisa que agora não lhe podia contar”.
Estava mesmo entusiasmado com a ideia pois:
1. ao comer a crista do galo deixaria de ter medo do Zé (assim ele se chamava)
2. livrava-me do sacana do galo que, de cada vez que ia à capoeira fazer necessidades (a casa de meus avós não tinha ainda WC) me atacava não deixando que os meus excedentes orgânicos pudessem ser expulsos com a tranquilidade que toda a gente gosta de ter nestes momentos que se querem também de solidão.
Claro que matar um galo requeria um motivo mais forte do que o simples desejo dum neto, mesmo que urgentemente atrapalhado pelas razões que não queria dar a conhecer à restante família por vergonha de ser gozado, pelo que a crista-de-galo só pôde ser deglutida cerca de 1 mês depois por altura das festas da N.S.Conceição, padroeira da minha aldeia e em que, aí sim, o sacrifício do galo já era justificado pela ocasião festiva.
Pedi a crista para o meu prato na altura da distribuição do galináceo cadáver guisado e, discretamente, fui comê-la atrás da porta do quarto de meu avô, logo ali mesmo ao lado.
Confesso que, ao sentir nada de especial, podia ficar desconfiado e que os desejados efeitos de bravura e valentia não fossem obtidos assim tão facilmente … mas animado pela antevisão da vingança sobre o Zé, não liguei à ausência dos sintomas.
Logo que regressado á escola, e no recreio em que jogávamos à bola, uma vez mais o “gorila” se acercou de mim para afiambrar … só que daquela vez eu não tentei sequer fugir e enfrentei-o …
Levei um enxerto de porrada que nem vos conto !!!! … e a única consolação que me restou foi a de que, por uns tempos, até aquele frango careca crescer e se transformar em galo, poderia ir à capoeira descansado …
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