segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O ESTRANHO



Alguns anos depois que nasci, meu pai conheceu um estranho, recém-chegado à nossa pequena aldeia.

Desde o princípio, o meu pai ficou fascinado com este encantador personagem, e em seguida  convidou-o a viver com a nossa família.O estranho aceitou e desde então tem estado connosco.

Enquanto eu crescia, nunca perguntei sobre o seu lugar na minha família; na minha mente jovem já tinha um lugar muito especial.

Meus pais eram instrutores complementares: minha mãe me ensinou o que era bom e o que era mau e meu pai me ensinou a obedecer.
Mas o estranho era o nosso narrador.Mantinha-nos enfeitiçados por horas com aventuras, mistérios e comédias. Ele tinha sempre respostas para qualquer coisa que quiséssemos saber de política, história ou ciência.

Conhecia tudo do passado, do presente e até podia predizer o futuro! Levou a minha família ao primeiro jogo de futebol.

Fazia-me rir, e fazia-me chorar.
O estranho nunca parava de falar, mas o meu pai não se importava.

Às vezes, minha mãe  levantava-se cedo e calada, enquanto o resto de nós ficava escutando o que tinha que dizer, mas só, ela ia à cozinha para ter paz e tranquilidade. (Agora pergunto-me se ela teria rezado alguma vez, para que o estranho fosse embora).

Meu pai dirigia nosso lar com certas convicções morais, mas o estranho nunca se sentia obrigado a honrá-las.
As blasfémias, os palavrões, por exemplo, não eram permitidos em nossa casa…
Nem por parte nossa, nem de nossos amigos ou de qualquer um que nos visitasse.
Entretanto, nosso visitante de longo prazo, usava sem problemas sua linguagem inapropriada que às vezes queimava meus ouvidos e que fazia o meu pai  retorcer-se e a minha mãe  ruborizar-se. Meu pai nunca nos deu permissão para tomar álcool.
Mas o estranho nos animou a tentá-lo e a fazê-lo regularmente.
Fez com que o cigarro parecesse fresco e inofensivo, e que os charutos e os cachimbos fossem distinguidos.

Falava livremente (talvez demasiado) sobre sexo. Seus comentários eram às vezes evidentes, outras sugestivos, e geralmente vergonhosos.
Agora sei que meus conceitos sobre relações foram influenciados fortemente durante minha adolescência pelo estranho.

Repetidas vezes o criticaram, mas ele nunca fez caso dos valores de meus pais, mesmo assim, permaneceu em nosso lar.
Passaram-se mais de cinquenta anos desde que o estranho veio para nossa família.

Desde então mudou muito; já não é tão fascinante como era ao principio.
Não obstante, se hoje você pudesse entrar na guarida de meus pais, ainda o encontraria sentado em seu canto, esperando que alguém quisesse escutar suas conversas ou dedicar seu tempo livre a fazer-lhe companhia...
O seu nome?
  
Nós o chamamos Televisor...

Pede-se que este artigo seja lido em cada lar, pois agora ele tem uma esposa que se chama Computador e um filho que se chamaTelemóvel!
Uma boa forma de  nos manter ainda mais IGNORANTES e distraídos com a REALIDADE



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