Meus caros:
Já comuniquei à maioria de vós que deixei a profissão em que fiz o que gostava durante 32 anos.
Depois de ter começado a carreira profissional de bancário no ex-Sotto Mayor em Soure, em Março de 1981, estive ainda em Condeixa e Aveiro onde me mudei para o “falecido” União de Bancos Portugueses que deu origem ao Banco Mello, do qual ainda tenho imensas saudades.
Era um pequeno banco, onde quase todos nos conhecíamos e onde a família Mello punha em prática a sua fama de excelente e generosa empregadora.
Com a aquisição do Mello pelo BCP em meados de 2000, passei a integrar os quadros deste, na altura numa Sucursal da Nova Rede.
Confesso ter estranhado a dimensão e as diferentes rotinas e procedimentos … mas o ser humano é mesmo assim … um animal de hábitos mas rapidamente se adapta (... às vezes ...).
Do BCP tenho, igualmente, muito boas recordações pois também aí fui bem tratado e considerado pelas hierarquias que se iam sucedendo e me tinham à sua responsabilidade ... tudo gira a uma velocidade muito grande no banco e a própria mobilidade era um conceito a que me tinha já habituado e, sobretudo, aprendido a valorizar.
Tinha como princípio que, de cada vez que mudava de local de trabalho, iria conseguir aprender algo com quem já lá estava e, passe a presunção, conseguiria levar comigo também propostas de valor que fariam enriquecer os “residentes”.
Lembro-me duma frase do Dr. Filipe Pinhal, ex-administrador, que referia “quando alguém pensa que já sabe tudo sobre o que faz, é altura de mudar de função” … e eu era assim … como que renascia quando mudava de local de trabalho e/ou função, animado de vontades de mudar, fazer diferente, melhorar, modificar, … o que entendesse que era necessário.
Com o passar do tempo no mesmo local … mesmos colaboradores, mesmos clientes, mesmas ementas nos restaurantes e tascas, … o tédio assolava-me e os estímulos caíam … era, de novo, chegada a altura de "partir para outra".
A minha última etapa foi em Pombal, depois de Ansião e Penela, para onde vim em 2008, altura em que os mercados davam os primeiros sinais de que a “crise vem aí”.
Foi um mudar de paradigma pois estava formatado para a captação de negócios e empresas, com crescimento na base na concessão de crédito e, esse era, agora, uma matéria-prima escassa e cada vez mais cara.
A "minha" última equipe de Pombal:
Da esquerda para a direita o Rui Machado, a Teresa Cardo, eu próprio, o Horácio Costa, os "caloiros" Sérgio Ferreira, Mónica Silva e Rui Simões, os "veteranos" António Ferreira e Jorge Rodrigues. Um conjunto de pessoas responsáveis, profissionalmente exemplares na defesa dos interesses do banco nunca perdendo de vista a ética e o rigor com que, todos os dias, se constrói a relação com os clientes ...
Uma vez mais houve que reaprender e adaptar-me a este novo palco … de discutir preços em baixa passou-se para elaborada arte oratória que pudesse justificar aumentos de preço do crédito e até de negociar reembolsos não programados.
Como tudo se tornava diferente.
Relativamente a 2012, os dados e indicadores são conhecidos: a banca, na sua generalidade, está sobredimensionada para os níveis de actividade em Portugal e já não há imaginação e criatividade que consigam evitar os prejuízos da actividade doméstica destas empresas. Do exterior continuam a vir boas notícias, sobretudo do mercado africano mas, em termos relativos, são marginais face ao “tamanho do barco”.
Todos estes acontecimentos foram fazendo crescer em mim a vontade de, logo que tivesse oportunidade, sair do mundo do trabalho ou, pelo menos, deste trabalho. A forma de fazer banca era, definitivamente, diferente da em que tinha crescido e feito homem.
Sempre ambicionei poder sair em condições de saúde (mental e física) que me permitissem gozar os filhos e os netos e a companhia de minha esposa, acompanhando ainda mais de perto o envelhecer de meu pai.
Chegou o momento em que era preciso tomar decisões e fi-lo convicto que foi o melhor para mim, não por temer o futuro (o qual confio ser favorável) mas por conhecer o passado.
O Feliciano Ferreira, "meu colega do lado" e com quem foi um prazer e uma honra trabalhar, a exibir o contrato de rescisão pois, também ele achou que era chegada a hora de "mudar de vida". Para os que não sabem, apesar de se trabalhar na mesma empresa, as rivalidades entre colegas responsáveis por causa dos "números" fazem com que a amizade, cooperação e lealdade sejam, por vezes, esquecidos ... com o Feliciano não, pois teve sempre um sentido de responsabilidade e de visão muito para além da "sua quinta".
Levo do trabalho muito boas recordações sobretudo dos colaboradores com quem tive o privilégio de servir o Banco, equipes coesas e bem-dispostas que faziam do trabalho um prazer … não conheço outros locais em que, no final do dia se assava chouriço ao mesmo tempo que se discutiam os “números do dia” … ou "dávamos cabo" dum tacho de moelas enquanto se delineavam estratégias para a semana seguinte … e tudo isto sempre com o cuidado de tapar com jornais as saídas dos detectores de fumo para não fazer disparar o alarme de incêndio !!!
Práticas profissionais salutares em que qualquer pedido dum colaborador era sancionado com “pagar um lanche”… alterar férias era disso um exemplo.
Ó pra mim com o contrato já assinado .. agora só falta o cheque !!!
Trago comigo também recordações de algumas pessoas embora, selectivamente, a minha memória procure guardar apenas as que me marcaram de forma bem positiva.
Correndo o evidente risco de me esquecer de algumas, arrisco, num rápido revisitar mental, os nomes do meu primeiro gerente, Amândio Rodrigues, já falecido, doutro gerente que muito me ensinou quer pessoal quer profissionalmente, o "Xô" Raul Abrantes, e mais tarde, de V.R.Andrade, N.Viana, A. Beirão, B. Esteves, I. Romão, N. Machado, D. Azevedo, Q. Lima, P.Ferreira, ... todos eles minhas ex-hierarquias e colegas com quem muito aprendi e que fizeram de mim uma pessoa incomparavelmente melhor.
Aos que ficaram e que também fizeram o favor de ser meus amigos e, muitas vezes, aturar as minhas “garotices” e partidas, desejo o melhor … e Deus sabe que estou a ser sincero.
Aos outros, de quem as recordações são menos boas, péssimas mesmo, (recordo por exemplo, um tal de "Bruto Alves"), mesmo assim obrigado, pois, como alguém escreveu um dia "Nunca ninguém é 100% inútil ... pode sempre servir de mau exemplo"
E como diz João César Monteiro:
"Não são vocês que me expulsam sou eu que vos condeno a ficar"