Transcrevo o comentário de Nicolau Santos ... vale o que vale, goste-se ou não, ...
Está a acontecer. Já se apercebeu?
Está
a acontecer. Aquilo que nem nos passava pela cabeça que pudesse acontecer está
mesmo a acontecer.
Está a acontecer cada vez com mais regularidade as farmácias
não terem os medicamentos de que precisamos.
Está a acontecer que nos hospitais
há racionamento) de fármacos e uma utilização cada vez mais limitada dos
equipamentos.
Está a acontecer que muitos produtos que comprávamos nos
supermercados desapareceram e já não se encontram em nenhuma prateleira.
Está a
acontecer que a reparação de um carro, que necessita de um farol ou de uma
peça, tem agora de esperar uma ou duas semanas porque o material tem de ser
importado do exterior.
Está a acontecer que as estradas e as ruas abrem buracos
com regularidade, que ou ficam assim durante longos meses ou são reparados de
forma atamancada, voltando rapidamente a reabrir.
Está a acontecer que a
iluminação pública é mais reduzida, que mais e mais lojas dos centros
comerciais são entaipadas e desaparecem misteriosamente.
Está a acontecer que
nas livrarias há menos títulos novos e que as lojas de música se volatilizaram
completamente.
Está a acontecer que nos bares e restaurantes há agora vagas com
fartura, que os cinemas funcionam a meio gás, que os teatros vivem no terror da
falta de público.
Está tudo isto a acontecer e nós, como o sapo colocado em
água fria que vai aquecendo lentamente até ferver, não vemos o perigo, vamos
aceitando resignados este lento mas inexorável definhar da nossa vida colectiva
e do Estado social, com uma infinita tristeza e uma funda turbação.
Está a acontecer e não
poderia ser de outro modo. Está a acontecer porque esta política cega de
austeridade está a liquidar a classe média, conduzindo-a a uma crescente
pauperização, de onde não regressará durante décadas.
Está a acontecer porque,
nos últimos quase 40 anos, foi esta classe média que alimentou cinemas,
teatros, espectáculos, restaurantes, comércio, serviços de saúde, tudo o que
verdadeiramente mudou no país e aquilo que verdadeiramente traduz os hábitos de
consumo numa sociedade moderna.
Foi na classe média — de professores, médicos,
funcionários públicos, economistas, pequenos e médios empresários, jornalistas,
artistas, músicos, dançarinos, advogados, polícias, etc. —, que a austeridade
cravou o seu mais afiado e longo punhal. E com a morte da classe média morre
também a economia e o próprio país.
E morre porque era esta classe média que mais consumia — e que mais estimulava
— os produtos culturais nacionais, da literatura à dança, dos jornais às
revistas, da música a outro tipo de espectáculos e de manifestações culturais.
É
por isso que a cultura está a morrer neste país, juntamente com a economia. E
se a economia pode ainda recuperar lentamente, já a cultura que desaparece não
volta mais. Um país sem economia é um sítio. Um país sem cultura não existe.
Durante a II Guerra Mundial, quando o esforço militar consumia todos os recursos das ilhas britânicas, foi sugerido ao primeiro-ministro Winston Churchill que cortasse nas verbas da cultura. O homem que conduziu a Inglaterra à vitória sobre a Alemanha recusou perentoriamente. “Se cortamos na cultura, estamos a fazer esta guerra para qué?” Mutatis mutandis, a mesma pergunta poderíamos fazer hoje: se retiramos todas as verbas para a cultura, estamos a fazer este ajustamento em nome de quê? Mas esta, claro, é uma questão que nunca se colocará às brilhantes cabeças que nos governam.
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